Assombrado

Meus pés pisavam cautelosos na grama enlameada pela chuva recente. A casa grande e carecida de reforma impunha-se adiante. Respirei fundo, segurando por instinto a cruz em meu peito.
– Isso aí não vai adiantar – disse a voz, referindo-se ao meu toque à cruz, sempre cheia de diversão e sarcasmo, que eu me acostumara a ouvir incessantemente a uma dúzia de dias. Olhei para o lado e Samanta sorria, seus dentes perolados cintilando com a luz pálida do anoitecer. – Os fantasmas não vão se afastar de você, principalmente quando você os procura.
– Eu não procuro todos – enfatizei. – Por que veio comigo, Samanta? Será que eu dizer que prefiro fazer as coisas sozinho não basta?
O sorriso dela só cresceu.
– Você não vai se livrar de mim tão fácil, Vítor.
Tentando ignorar minha nova sombra tagarela, caminhei olhando para frente.
– Francamente, Vítor, você podia fazer tantas coisas… mas está sempre ligado nisso de caçar fantasmas. Viva a vida, aproveite enquanto pode!
– Shhh – silenciei-a ao chegarmos na porta.
– Os moradores estão?
Balancei a cabeça em negativa e me pus a arrombar, manejando um grampo. Embora não houvesse vizinhança próxima, queria silêncio, porém Samanta não estava facilitando.
– O que vai fazer quando entrarmos?
Fitei seu rosto bonito, os olhos azuis carregados de mil emoções diferentes, a boca rosa entreaberta de expectativa… como proibi-la de me seguir? Não havia mais nada no mundo que importasse a Samanta. Tudo o que ela queria era atenção e paciência, e fui eu quem escolheu para lhe dar isso.
– Só me siga, tá legal? E tente não falar. Desafiador, não? – Sorri de lado, e ela fingiu ultraje.
A porta se fechou sozinha depois de passarmos para dentro, uma ventania inesperada forçando as dobradiças das janelas. Caminhei pelo interior da vasta sala escura com o máximo cuidado. Sons indistinguíveis vinham do andar de cima, e toc-tocs soavam repetidamente sobre o piso superior.
Engolindo em seco, comecei a subir as escadas, degrau por degrau, fazendo o mínimo de barulho. Não tinha um plano ótimo para quando estivesse de frente com os espíritos perturbadores. Apertei a cruz de novo, consciente de que Samanta tinha razão sobre ela, mas incapaz de conter o gesto que sempre me acalmava.
O vento uivou, invadindo a casa pela janela a oeste, que se abriu num rompante, fazendo-nos pular de susto. Adrenalina jorrando, subi mais um degrau, mas Samanta foi mais rápida e subiu dois, postando-se de frente a mim – um degrau de diferença deixando nossos olhos na mesma altura.
– Vítor, talvez seja má ideia. Voltamos outro dia, com reforços. Você sabe que pode ser perigoso.
Quase sorri.
– Primeiro: não existe nós nessa missão. Segundo: não tenho medo de fantasmas.
Seu belo sorriso voltou ao ouvir a segunda frase. – É claro que sei disso – falou.
Ela chegou mais perto de mim, intensa, seu rosto tão lindo… Por um momento me vi pensando: E se tudo fosse diferente? Mas ela não entende que é….
– Acabarei com isso esta noite, sozinho – avisei, voltando à seriedade. Apesar de sempre aguentar – não sem reclamar – sua companhia bela, divertida e incômoda, hoje não era adequado.
– Não importa o quanto tente – havia ali um sorriso… mas, incomumente, ele era triste –, você sempre vai ser assombrado, Vítor.
Eu teria tido um calafrio ao ouvir essas palavras se não soubesse o que significavam. Porém, ainda assim, senti um aperto – que não era de medo.
Ela desceu as escadas, o vento anormal fazendo seus cabelos ruivos voarem. Virou-se uma vez para me olhar, deu seu habitual sorriso cheio de significado, e, diante de meus olhos, desvaneceu-se no ar.
Paula Ottoni, 2012