Espelho do Futuro
A chance estava ali na minha mão. Aquele espelho que eu fitava – mostrando-me o reflexo do meu olho castanho – era todo meu naquele instante… o instante da verdade. Ali estava todo o meu futuro, ou, para ser mais exata, tudo o que meu futuro poderia ser. Porque aquele pequeno pedaço de vidro com a borda antiquada me mostraria, por meio de sua mágica própria, todos os caminhos que minha vida tomaria, dependendo da escolha que eu fizesse. Era só eu pensar na situação e… pronto, como aquilo se desenrolaria seria mostrado a mim, clara e objetivamente, sem esconder nada.
Eu estava com medo, é claro. Você também estaria se estivesse segurando um objeto como esse. Imagine só! É tudo aquilo que todo mundo sempre quis – saber se está fazendo a escolha certa. Eu tinha medo de continuar olhando para aquele reflexo, medo de que a magia começasse, porque eu ainda não tinha certeza se queria mesmo ver meu futuro.
Mas, bom, depois de tudo que passei, eu não poderia desistir nesse momento, bem quando já podia sentir a coisa funcionando, eu ficando zonza, toda a sala escura ao meu redor sumindo aos poucos… Nessa hora comecei a pensar nele… em Rafael. Respirei fundo e decidi seguir em frente. Evoquei as imagens de nós dois juntos para minha mente. Como seria nossa vida se eu resolvesse ficar com ele?
A resposta veio. E foi tão rápido que num piscar de olhos já dava para ver outro cenário se formando ao meu redor. Era um jardim, um campo lindo, cheio de flores e, logo adiante, embaixo de uma árvore, havia uma toalha xadrez esticada. Era um piquenique, e chegando correndo, rindo e brincando, estávamos nós dois, parecendo mais velhos do que somos agora.
Nossa, ele continuava tão lindo! Se duvidar, ainda mais do que ele já é. Eu estava bem bonita também, seria uma tremenda gata aos vinte e tantos anos. Quem diria.
Só que… espera um pouco. Onde foi parar nosso sorriso? Rafael estava sério, começou a fitar meu “eu” mais velho com uma expressão preocupada, e eu fiquei preocupada também (ou, melhor dizendo, as duas “eu”). Cheguei mais perto, caminhando pela grama macia… era como se eu fosse invisível para eles. Pude, então, ouvir o que diziam.
– Estamos juntos, Alice, mas você sabe que eu vou precisar ir embora. Tenho que voltar para o Canadá. Não sei como pudemos deixar isso se prolongar tanto, eu e você. Só nos iludimos, nos machucamos… imaginamos um futuro que não pode acontecer, que para por aqui.
– Não diz isso… Eu te amo.
A Alice mais velha se inclinou para dar um beijo nele. Mas Rafael não retribuiu do jeito que ela desejava. Ficou parecendo uma pedra, depois a afastou devagar.
– Desculpe – foi tudo o que ele disse, fazendo lágrimas brotarem dos olhos dela.
Eu não queria mais ver aquilo. “Então é como será? Ficaremos juntos uns anos a mais, pensando que seria eterno, que nos casaríamos, mas no fim a separação virá do mesmo jeito? Só vai ser tempo o bastante para nos ferirmos?” Não, não podia ser. E se eu fosse com ele para o Canadá? Como seria?
Nessa hora o cenário começou a rodar, e tudo ficou parecendo um borrão de tinta. Logo estabilizou. O novo local era um apartamento pequeno, e lá estava a minha imagem de vinte e alguns anos olhando a neve caindo através da janela. Eu estava triste, pensativa, uma lágrima pingando do canto do olho. Cheguei mais perto de mim mesma, querendo me consolar, mas a outra de mim sequer sentia minha presença. Olhei para baixo e vi que havia um diário na mão dela. Li minha letra torta, que dizia:
Mais um dia sem ele. Mais um dia em que ele trabalha, se realiza, e eu só fico aqui o esperando… vendo meus sonhos passarem por mim, acenando, pela janela.
Estremeci, lembrando que ir para o Canadá seria deixar para trás minha família e meus sonhos de carreira. Pelo jeito, eu não seria feliz lá. Mas também não seria feliz o namorando por anos e tendo de deixá-lo. Então quer dizer que…
Espera aí! Quer dizer que não serei feliz com Rafael de jeito nenhum? Quer dizer que os caminhos que me levam a ele vão trazer infelicidade? Mas como isso é possível, sendo que ele é quem me faz feliz, ele é quem eu quero ter a toda hora?
O meu “eu” de dezessete anos começou a chorar de soluçar, e tudo foi ficando negro à minha volta, os sons e as imagens sumindo, girando, me deixando louca… Logo eu estava de volta à sala, olhando meu reflexo no espelhinho, totalmente arrasada.
O que eu deveria fazer agora? Tirar Rafael da minha vida antes que ela se tornasse um lixo? Nessa hora, pensando nele, ouvi a porta abrir, mas não me virei. Em seguida uma mão quente pousou em meu ombro, me fazendo tremer. Virei o pescoço e era Rafael me olhando com aqueles hipnóticos olhos azuis. Como alguém podia ser tão lindo? Não! Pare de pensar nisso! Pare de pensar nele…
Como se fosse possível, com aquele rosto de anjo olhando para mim.
– O que houve, linda? – me perguntou naquela voz suave, enxugando as incontáveis lágrimas que pingavam na minha bochecha.
– Eu vi, Rafael. Usei o espelho. – Ergui a mão com o objeto para mostrá-lo.
Ele fingiu que estava tudo bem, só deu um suspiro longo e perguntou, com toda a gentileza:
– E o que foi que você viu?
Contei a ele, tudinho, nos mínimos detalhes.
– Então você acha que devemos parar de nos ver agora, antes que a gente se envolva demais e destrua nossas vidas? – ele quis que eu respondesse, forçando-me a olhar em seu rosto, mas eu desviei o olhar. Era doloroso demais falar aquilo o fitando.
– Sim – respondi baixinho, esperando pelo fim, pela despedida final. Mas o que ouvi foi diferente.
– Eu não acho. – Desta vez tive que olhar, bastante confusa. Ele continuou, sem desgrudar os olhos dos meus. – Alice, eu não acho que você deva pensar no futuro, não acho que a gente deva se preocupar com isso.
– Como não?! É a nossa vida…
– Sei disso. Mas me responda uma coisa. Você quer ficar comigo agora?
Não teve jeito de responder outra coisa a não ser:
– Sim. Mas e o depois?
– É melhor viver alguns momentos intensos, pois muitas vezes eles valem mais do que anos inteiros – ele disse, colocando a mão em meu rosto. – A vida é feita de lembranças, e as lembranças não duram para sempre, mas são suficientes para construir nossa felicidade. Vamos construir nossas lembranças juntos, Alice. Vamos deixar gravados os nossos momentos. Não importa que um dia eles acabem.
Pensei sobre isso. Os anos com ele não seriam anos desperdiçados. Seriam os anos mais lindos da minha vida, disso eu tinha certeza. Então para que me preocupar com o amanhã se hoje eu tenho certeza de que é com ele que eu quero estar, que é ele que me fará feliz agora? Quem se importa com o depois?! Rafael estava ali na minha frente, ao alcance de meus braços e pronto para me deixar preencher alguns anos seus. Por que eu precisaria de mais? Muita gente não tem, em um casamento de uma vida toda, o amor que eu e Rafael temos.
– Eu te amo – ele falou antes de mim. Joguei meus braços ao redor de seu pescoço e, avançando para beijá-lo, respondi:
– Eu também.
E então aproveitei o meu minuto, jogando de lado o espelho do futuro.
Paula Ottoni, 2011