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Minha Semana Romântica na Itália

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“Era para ter sido uma semana romântica na Itália.”

Essa era a frase que ficava martelando em minha mente. Afinal, eu estava na Costa Amalfitana, num hotel quatro estrelas de Positano, para uma espécie de pré-lua-de-mel com meu provável futuro noivo, mas, bem… esse homem não estava lá.

Talvez ele ainda estivesse se não tivéssemos tido aquela discussão assim que pusemos os pés no hotel. Ou talvez não. Porque, depois do que eu soubera, não queria mais me casar com ele.

Assim, só o que me restava era fechar a conta do quarto (eu não podia pagar por mais do que uma diária naquele lugar) e pegar um avião de volta para casa. Eu cometera um erro terrível achando que Eduardo era o cara certo. Eu deveria saber que ele conhecia uma italiana por quem largaria tudo.

E essa garota não era eu.

Eu era a pessoa menos italiana que poderia existir. Eu não gostava de massa, não falava uma palavra sequer na língua local, nunca havia andado numa Vespa e nem provado um gelato. Eu havia sugerido a França, mas, como sempre, deixei Eduardo me guiar. E veja no que deu.

Há essa altura ele já estaria em Nápoles, enquanto eu me contentava com um lençol branco e alguns chocolates estrangeiros até que o dia amanhecesse e eu pudesse voltar ao meu bom e velho Brasil, de onde nunca deveria ter saído.

No dia seguinte, antes de deixar o hotel, dei uma última caminhada pela cidade. Positano era encantadora. Andando pela orla das cantinas e do mar de chão de pedras, fiquei imaginando os momentos bonitos que poderia ter passado ali naquela cidade vertical.

Subindo pelas ruas que levavam à parte mais elevada da cidade, onde eu poderia comprar uma lembrancinha para minha família naquelas lojas de objetos artesanais, quase fui atropelada por uma motocicleta. O motociclista buzinou para mim e, no susto, tropecei, por sorte longe de algo que pudesse me machucar. Ele desceu da motocicleta e foi me ajudar a levantar.

– Stai bene, ragazza? – só consegui entender porque foi a mesma frase em italiano que o recepcionista do hotel disse para mim quando me viu chorando após a discussão com Eduardo e sua imediata partida (“você está bem, moça?”).

– Estou ótima – murmurei em português, enquanto ficava de pé. O homem da motocicleta me olhou com as sobrancelhas erguidas em desentendimento. Então repeti a resposta, agora em inglês. Talvez eu pudesse tentar o francês se ele continuasse sem me entender.

Ele sorriu, provavelmente aliviado por não ter me machucado, embora a culpa fosse toda minha, por estar no meio da rua. Por estar na Itália, para começar.

– Posso saber o seu nome? – o inglês, afinal, o deixava à vontade. Sacudi minha bermuda branca, agora suja, e olhei para o sujeito, reparando em sua fisionomia pela primeira vez. Acho que eu estava distraída demais antes para ter percebido que ele era um italiano muito bonito. Seu sorriso branco brilhava como as nuvens de Positano, e sua pele bronzeada pelo sol do mediterrâneo tinha a cor mais atraente que eu já havia visto.

– Vanessa – respondi, observando o quanto ele parecia feliz em ajudar uma quase-atropelada a se recompor.

– Sou Cristiano – ele se apresentou, estendendo a mão para mim. Sacudi-a, tentando arrumar, com a outra mão, os cabelos que voavam caoticamente com o vento. – De onde você é?

– Brasil.

Desta vez ele levantou as sobrancelhas com um tipo de surpresa interessante, o sorriso acompanhando.

– E o que faz aqui, tão longe de casa? Passeando… Lua de mel?

Sacudi a cabeça com veemência.

– Não. Eu só… bem… eu…

– Gostaria de conversar sobre isso? Não tenho nada para fazer no momento – ele deu de ombros.

Franzi a testa. Eu estava sendo paquerada por um italiano, bem quando não queria ter mais nada a ver com homens, especialmente se a Itália estivesse envolvida.

Mas afinal, o que mais eu tinha a perder? Era só não deixar que algo fosse construído, assim não corria nenhum risco.

– A única coisa que tenho a fazer é voltar ao hotel e fechar a conta antes que seja adicionada mais uma diária.

– Para onde você vai?

– Não sei. Algum lugar com aeroporto.

– Sei de um. Quer carona? – Ele se aproximou da motocicleta, fazendo um gesto para eu subir.

Hesitei. Se alguém do sexo masculino que eu conhecia há aproximadamente um ano havia se provado ser nada confiável, o que seria possível dizer de um estranho?

“Mas este estranho pode me levar embora daqui, e ele tem belos olhos verdes.” Eu não precisava de mais do que isso naquele momento. Talvez nunca mais na vida.

– Você não pode se fechar para o amor – foi o que Cristiano comentou depois que desci de sua garupa, em frente ao meu hotel, após ter compartilhado com ele o motivo que me levaria embora da Itália em menos de quarenta e oito horas desde a chegada.

– Não sei por que supõe isso, se eu apenas disse que fui deixada por um cafajeste – eu disse ao mesmo tempo em que ele caminhava para a grade ao fim da encosta, onde apoiou os cotovelos e ficou olhando o mar azul lá embaixo. Pus-me ao seu lado.

– Porque é o que se presume de mulheres como você deixadas por cafajestes. Que vão se fechar para o amor.

– O que quer dizer com “mulheres como você”? – perguntei meio irritada. Eu não deveria ter aceitado sua carona.

– Existem dois tipos de mulheres. Tem as que, diante de uma situação dessas, iriam querer conhecer um monte de caras para extravasar sua frustração. Você é a do tipo dois. Aceitou minha carona, mas só porque planeja deixar esse país o mais rápido que puder.

– E o seu conselho é que eu seja do tipo um? – perguntei com uma sobrancelha arqueada; ele não viu minha expressão – ainda fitava a água azul – mas a descrença vazou para minha voz, o que o fez olhar.

– Se quiser fazer valer a sua passagem para cá, talvez possamos fazer algumas paradas antes do aeroporto.

Ri de sua sugestão e do modo como o sorriso despreocupado brincava em seu rosto.

– Está se propondo a me dar aquela semana romântica que eu deveria ter tido? – eu ainda ria. Se contasse para alguém, quando voltasse, ninguém acreditaria.

– Eu não havia falado em romance, mas já que você mencionou…

O interessante é que não me importei com suas palavras e sugestões abusadas, eu estava me divertindo com isso. Talvez esse seu jeito atrevido, e polido ao mesmo tempo, é que o fizessem ser tão charmoso, e a proposta tão irresistível…

– Mal nos conhecemos e…

– Talvez seja disso que se trate, não acha? Nos conhecermos melhor. Você conhecer a Itália. Não seria justo ir embora com lembranças tão negativas.

– Não são negativas mais – sorri sincera. Ele me lançou seu luminoso sorriso branco, que me fez enxergar que talvez tivesse razão. Poderia haver mais loucura em ter pensado em me casar com Eduardo, mesmo após um ano de convívio, do que em aceitar uma viagem improvisada com um quase-estranho até a data do meu bilhete de volta.

– Como posso saber que poderei confiar em você? – perguntei, ainda receosa.

Cristiano olhou para os barcos no horizonte, então para mim de novo, parecendo reflexivo.

– Acho que eu estava errado, afinal. Você não quer se fechar para o amor, mas o contrário. Você já está pensando em me amar, e nem me conhece ainda.

– P-por que diz isso…? – gaguejei, meio ultrajada.

– Porque se quisesse apenas se divertir, não teria medo. Não acha que primeiro deveria me conhecer, para então decidir se quer amar?

Sorri, porque não pude evitar. Sua lógica era totalmente louca… e fazia todo o sentido.

– Cristiano, eu gostaria de uma carona – eu disse, alegre e bem mais relaxada. Seus olhos transmitiam calma, assim como aquele maravilhoso – e romântico – cenário ao meu redor. Ele sorriu de novo.

– Para onde quer ir? Cruzar a costa, Nápoles, Roma, Siena…?

– Todos – dei o maior sorriso que pude me lembrar ter dado em muito tempo. Ele riu comigo, e então entrei no hotel para fechar minha conta, pegar minhas coisas e subir na garupa de um estranho que estava louca para conhecer, assim como ao país que me trouxera aqui pelos motivos errados.

Mas, no fim, foram os certos. Pois acabei tendo minha semana romântica na Itália.

E mais um pouco além disso, na verdade, já que, há um ano, em Positano – sendo largada por um homem –, conheci um italiano por quem larguei tudo…

 Paula Ottoni 

Conto publicado na antologia do Prêmio UFF de Literatura 2011.